quarta-feira, 6 de outubro de 2010

«Há um cão vadio...» de Almada Negreiros

  Ontem, na Praça do Município, em Lisboa, a Républica, personagem da encenação teatral do grupo O Bando, declamou uma montagem de textos de autores portugueses.
  De Almada Negreiros, o texto seleccionado foi este:

  

  Não achas, Mãe? Por exemplo. Há um cão vadio, sujo e com fome, cuida-se deste cão e ele deixa de ser vadio, deixa de estar sujo e deixa de ter fome. Até as crianças já lhe fazem festas.
 Cuidaram do cão porque o cão não sabe cuidar de si - não saber cuidar de si é ser cão.
  Ora eu não queria que cuidassem de mim, mas gostava que me ajudassem, para eu não estar assim, para que fosse eu o dono de mim, para os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si!

  Eu queria que os outros dissessem de mim: Olha um homem! Como se diz: Olha um cão! quando passa um cão; como se diz: Olha uma árvore! quando há uma árvore. Assim, inteiro; sem adjectivos, só de uma peça: Um homem!


            De A invenção do Dia Claro, 1921



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