quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Abraços Desfeitos: gaspacho e tomates




Abraços Desfeitos é o filme de Almodóvar em exibição nos cinemas. Se, de início, o filme me pareceu banal, mesmo pouco interessante, a partir da imagem dos tomates com a lágrima a escorrer por eles, percebi a grande linha de força do filme e a originalidade da sua concepção. O sexo, a escravatura e a violência a que o mesmo pode dar origem, o sexo e o poder do dinheiro, a mulher sem dinheiro que em situações desesperadas cede ao assédio sexual, e também o sexo autêntico, o que advém do amor e é a sua concretização, a sua coerência, estão magnificamente simbolizados nesta imagem. A lágrima sobre os tomates representa o conflito, o sofrimento resultante do choque destes dois tipos de sexo. Lena (Penélope Cruz) é a marionette que o destino coloca nesta encruzilhada. Ela é a vítima sexual do psicopata milionário Ernesto Martel e a amante fogosa de Mateo Blanco. Os tomates para o gaspacho aparecem no filme «Miúdas e Malas» em que Lena é actriz. A mulher prepara habitualmente o gaspacho com aqueles vermelhíssimos tomates para o Ivan. E será no gaspacho que colocará o veneno para o assassinar.
A morte paira sobre estas vidas desditosas. O pai de Lena morre de cancro, Ernesto Martel tenta assassinar Lena, Lena morre num acidente de automóvel em Lanzarote, Mateo Blanco é vítima de uma cegueira cortical irreversível e após a morte de Lena passa a viver na pele do seu pseudónimo Harry Caine. O sexo e a morte estão juntos e muito bem tratados neste filme, sem faltar a mulher espanhola nervosa, golpista e um pouco estúpida. Mas sobretudo as cores, os sapatos vermelhos de Lena, o seu fato vermelho e os tomates, sobretudo os tomates. Almodóvar não nos traíu.
Uma curiosidade: Lanzarote é uma ilha pequena onde um acidente de automóvel deve acontecer
uma vez no século, mas o grande arquitecto César Manrique morreu atropelado em frente de sua casa, a casa que arquitectou e que é hoje um dos mais originais centros de arte que já visitei, a Fundación César Manrique. O acidente em que Lena morre dá-se perto dessa casa, aliás terá sido a escultura metálica do catavento, da autoria do artista, que terá encandeado o jeep que chocou contra o carro em que Lena e Mateo seguiam.

2 comentários:

  1. olá, vou ver esse filme.

    joana

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  2. Calculo que o melhor desse filme - não renegando a bela Penélope - seja o César Manrique (o qual teve a sorte de participar nele apenas através da sua obra e a título involuntário). Já não há qualquer resquício de paciência para o Almodôvar.
    Vítor Azevedo

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